Por Manoella Back
Para quem não sabe eu vivo em Blumenau/SC e é daqui que vem a “Cafeteria Especial” que, por sinal, fica super pertinho de onde moro. A Cafeteria Especial tem no seu quadro de funcionários pessoas com Síndrome de Down. Os elogios a iniciativa estão sendo unânimes, é claro. Mas a gente sempre faz questão de chamar a galera para pensar um pouquinho: muitas pessoas com deficiência fogem dos termos capacitistas e gostam de dizer “que estão na luta de pessoas deficientes”. Mas por que então exaltar uma atitude cuja a nomenclatura se refere a gente um termo tão excludente como “Especial”?
Aceitar o termo “especial” não nos coloca na categoria de seres humanos que merecem ser reconhecidos como outro ser humano. E vocês conseguem entender o motivo? Sim, meus queridos! Ter deficiência é um conceito de relações que não nos faz melhor, nem pior que nenhuma outra pessoa. Em outras palavras: não estamos nem ao céu, para sermos chamados de “especiais” e nem ao inferno para que adotem o termo “aleijados”. Mas é justamente neste céu e inferno que a sociedade ainda insiste em nos colocar silenciosamente. É tão prejudicial quanto o outro termo midiático e socialmente aceito que é o “Exemplo de Superação” sendo que, na realidade, a gente não supera porra nenhuma. Só precisa lidar com um mundo incrivelmente inacessível e injusto. Pensar em nomenclaturas pode até parecer uma perda de tempo para alguns.
Mas não é à toa que as e os grandes teóricos da deficiência pensam nelas há mais de 20 anos já que ouvir, ler e cunhar determinadas palavras e relacioná-las às deficiências dói muito. E o termo “especial” a uma cafeteria que busca inclusão precisa, sim, ser revisto. E por falar em cafeteria, tive uma prévia deste projeto na penúltima Feirinha da Servidão – feira que acontece mensalmente aqui na cidade – em que uma moça apoiadora do projeto da cafeteria inclusiva me atendeu e eu realmente fiquei me questionando se as pessoas com Down serão emancipadas para realizar o atendimento ao público ou se serão rostos que as associações utilizarão para se promover como reza a vã filantropia.
E já que falamos em filantropia, causa PCD e estamos em época natalina preciso lembrar que nada se compensa com suas bondades e orações, senhoras e senhores. Nada se compensa com doações ou caridade. Filantropia sempre foi prática das classes dominantes em busca do reconhecimento social, alcance de poder e até absolvição divina. Mas calma! De forma alguma estou a julgar quem resolver visitar orfanatos, hospitais ou fazer doações com fotos em suas redes sociais neste fim de ano. Mas vocês já tentaram se comprometer com programas permanentes ou até com um ideal de país igualitário? Confesso que dá muito mais trabalho, menos holofotes, mas pode ser até mais gratificante: são estas as iniciativas verdadeiramente capazes de mexer nas estruturas das desigualdades que precisamos modificar.
E nós “defiças” nesse rolê todo?
Não adianta vocês frequentarem os “Cafés Especiais” da vida se colocam em cheque o ponto de vista defendido pela pessoa com deficiência ou não dá voz a ela. De nada adianta, amores, ir a cafeterias inclusivas se as pessoas com deficiência da sua empresa estão lá só para preencher as cotas, com cargos auxiliares ou para que você não pague uma multa. Finalmente, de nada adianta se você, pessoa sem deficiência, se sente “tocado” pelas nossas pautas mas estaciona na vaga preferencial quando vai à igreja pedir remissão de seus pecados.
Por último, desejo um ho, ho, ho de todo o coração para quem REALMENTE nos respeita e não compactua com quem diz que minorias devem se curvar às maiorias.
Um 2019 de muita luta, saúde e energia para nós!
Manoella Back é jornalista, especialista em Cultura & Literatura, aquariana-louca-da-astrologia, fã de Harry Potter, samba, teatro, cerveja e MPB. Luta por um mundo melhor por meio da justiça, direitos humanos e promoção da igualdade.
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Ops, meu comentário é para a Manoella Back! Confundi o autor do texto! 😉
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Olá, Fatine!
Adorei ler o seu artigo. Provocativo e realista.
Quando a Cafeteria Especial surgiu, o nome foi algo bastante refletido. Afinal, o nome revela muito do que se propõe. O termo “especial” não carrega em si a exclusão. Toda pessoa é essencialmente especial na sua individualidade! Infelizmente, associa-se o “especial” aos colaboradores, mas o que se propõe é olhar como especial a chance de estarmos aproximando os diferentes e tornando a diversidade motivo de celebração. Se fosse excludente, teríamos aberto uma ONG ou uma instituição para reduzir custos e aumentar lucros. Pelo contrário, a Cafeteria Especial é uma empresa privada que contrata pessoas com Síndrome de Down com tudo o que significa contratar alguém. E o lucro é compartilhado com quem se coloca a disposição para auxiliar a qualidade de vida dos que vivem com a Síndrome, sendo uma parte destinada às associações.
Mas é evidente que numa sociedade preconceituosa na raiz cultural, o caminho da verdadeira inclusão é árduo e conflituoso!
Totalmente louvável sua criticidade, pois não é coerente esconder a grande massa que exclui, embora camufle isso com palavras bonitas sobre a inclusão sem reflexo no cotidiano concreto. Mas entre tantos exemplos de exclusão, a Cafeteria Especial é mais uma fagulha que luta arduamente para que, a partir da equipe formada por pessoas com Síndrome de Down, o respeito à diversidade humana seja o motriz das relações, seja com quem for!
Vamos amar a experiência de conversar contigo pessoalmente e aprender ainda mais! Abraço!
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Manuzinha maravilhosa. Eu aprendo tanto contigo 💜 Quero te ouvir e te ler sempre! Beijo e feliz natal!
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Manu, excelente a tua problematização da filantropia, a qual a maioria das pessoas considera incriticável. Sempre vale lembrar que caridade não é direito, e que ninguém é obrigado a “ajudar o próximo” dessa forma. Quem precisa de assistência depende da boa vontade de terceiros. Caso ninguém queira ajudar, a população vulnerável fica chupando dedo.
Para evitar essas relações paternalistas é que projetamos estados de bem-estar social, que garantem a satisfação de necessidades básicas de forma impessoal e contínua. Infelizmente, o projeto societário atualmente posto em prática – e que tende a continuar – é a refilantropização da assistência social brasileira. A intenção é que o SUAS sofra cortes volumosos de orçamento: http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/orcamento-da-assistencia-social-sofre-cortes
Excelente reflexão!
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