O texto de hoje é de autoria do Lucas Lopes, seguidor e admirador da página. Apesar de ser muito jovem, chamou minha atenção pelas suas palavras, principalmente pequenos poemetes em que coloca para fora suas reflexões sobre ter deficiência. Por esse motivo, o convidei a escrever para vocês afim de encorpar ainda mais nossas discussões por aqui.
Por isso, sejam bem carinhosas e carinhosos com ele, hein? 😉
Meu nome é Lucas Silva Lopes, tenho 22 anos, sou estudante de Direito, moro no interior de São Paulo e tenho paralisia cerebral, com resultado sempre andei com as perninhas tortas e um pouquinho atrapalhado.
Bem, minha infância foi como a maioria das pessoas com deficiência neste país, permaneci a maior parte do tempo no trajeto entre casa, instituições de reabilitação e a escola.
Infância? Nunca tive muitos amigos, sempre ficava admirando e invejando o “mundo de lá”, o mundo das pessoas que caminhavam sobre dois pés e que conseguiam se enxergar mutuamente com tanta naturalidade – e que nunca era dirigido a mim da mesma forma.
Foi no ingresso à Universidade, junto com a entrada para a vida adulta, que pouco a pouco fui adentrando e me vi imerso ao “mundo de lá”.
Sempre tentei deixar bem claro o quanto eu era privilegiado por ter deficiência e poder frequentar a universidade, ao contrário das outras pessoas com deficiência, e que essa desigualdade decorria muito mais das barreiras atitudinais e arquitetônicas do que qualquer falta de vontade.
Entretanto, não importava o que eu falava, pois sempre era tomado enquanto objeto motivacional? Isso é um saco, não?
A pessoa com deficiência com aura angelical cujo único projeto de vida é inspirar os outros: por incrível que pareça eu estava no “mundo de lá” e mesmo assim não recebia aqueles olhares de naturalidade que eu tanto invejava.
A gente sabe, não sabe? Quando alguém é extremamente sociável conosco, mas no fundo dos olhos tem aquele incômodo lasco de piedade que parece que anula qualquer outra característica ou potencialidade que portemos.

Eis que surge o grande paradigma da integração: fisicamente eu estava naquele espaço, no “mundo de lá”, mas me via impedido de usufruir dele da mesma forma e na potencialidade dos demais, ante as gigantes barreiras atitudionais.
Acredito que todo mundo já tenha tido essa sensação, não? A constante sensação de distância de tudo e de todos, mesmo que espacialmente tudo esteja ao seu alcance.
Me despedacei, me esgotei para suprir (baixas) expectativas das pessoas que andam sobre dois pés, mas acontece que não podemos sempre nos sentirmos responsáveis em dar desfecho ao preconceito e à falta de maturidade emocional de todo mundo, não é mesmo?
Desde então descobri que podemos coexistir no “mundo de lá” e no “mundo de cá”, sem pedir permissão para ninguém.
Aos companheiros e companheiras com deficiência que vivem no “mundo de cá”: O “mundo de lá” não é tão bom quanto o fazem parecer, mas ainda sim temos tanto direito sobre ele como as demais pessoas.
Àqueles que tem o privilégio de transitar entre os dois mundos: em nome de nosso bem-estar mental não precisamos nos responsabilizar sempre pela falta de empatia alheia, nem comprar a imagem midiática de que as pessoas com deficiência devem vencer todos os obstáculos com um sorriso no rosto e o coração aberto – e que se o rumo da história for diferente é porque não nos esforçamos o suficiente.
Podemos sim jogar as cartas na mesa (quando quisermos) e cobrar que cada um enfrente preconceito de forma responsável, principalmente quando revestido por condutas caridosas ou guiadas pela piedade.
Independentemente do lado que você esteja é importante que mantenhamos em mente que merecemos o mesmo respeito, oportunidade e dignidade que são atribuídas às pessoas com deficiência e que NÃO SOMOS OBRIGADOS a aceitar nada a menos.
Não podemos nos contentar com resquícios de atenção e bondade, até por que somos seres humanos por inteiro, não é mesmo?
Imagem de Stuart Briers para matéria no NY Times