* Texto produzido por Jhonatan Zati

Quando eu era criança, descobriram o porquê de eu não trocar os passinhos cambaleantes dos primeiros meses de vida. Eu tinha uma ervilhinha-filhote em algum lugar da massa cinzenta que sempre ancorou minhas pernas, que ficavam anexadas ao tapetinho emborrachado e montável cheio de motivos de bichos.
Meus pais então fizeram o que podiam para dar uma resposta a si mesmos. Tive uma estadia bem harmônica no ofurô que era o ventre de mamãe – de onde aliás eu devo ter ouvido muito Faustão pra falar mais que a “negra do leite” (expressão de alguns lugares do Brasil) do modo que eu falo. Enfim…
E fui levado aos mais variados doutores sem doutorado, de toda espécie, que não deram geografia alguma para os fatos. Me senti como um feito histórico. Sem precedentes.
Estica a perninha, puxa a perninha. Estica-e-puxa.
Ele não vai sustentar o tronco sozinho. E sustentei. Vitória!
Faz ele trocar os passinhos. Sobe-e-desce escada do consultório. Senta e levanta no espaldar.
Dobra e estica as pernas estudando o abecedário e a tabuada.
Cruza e descruza as pernas estudando para o vestibular.
Dá-lhe anestesia geral para esticar os tendões e consertar os pezinhos opostos.
Até que um dia eu gritei por clemência.
Eu vi que era uma batalha inglória da qual eu sairia vencido e nunca vencedor. Quem não gosta de vencer?
Eu vi que derramei muito suor para me curar de algo sem que eu estivesse doente.
E eu enfim vi que a deficiência é uma falsa amiga com quem você pode chegar a bons termos desde que você e ela cedam com frequência aos caprichos um do outro.
Aprendi a viver com ela. Não me acomodei.
Só ajeitei um cantinho no sofá para a companhia folgada de pernas abertas que teima em não ir embora.
Jhonatan Zati tem 22 anos é graduado em Letras pela Universidade Federal de Alfenas (MG). Possui paralisia cerebral e gentilmente aceitou escrever para o blog. Se considera “crítico, observador e fascinado pelo mundo. Artista wannabe e deficiente com orgulho.”