Gostaria de iniciar este texto desculpando-me com você, leitor (a), pois o assunto muito me sensibiliza, portanto se houver emoção demais nestas linhas saiba que não são parte de uma estratégia para envolvê-lo (a), mas resultado de um envolvimento incapaz de ser evitado.
Inicialmente, tinha como proposta abordar outro tema, mas sempre me permito mergulhar em minhas pesquisas antes de escrever. Muitas vezes descubro coisas interessantes que me despertam, envolvem e quando vejo lá estou inspirada com as ideias pipocando na mente. Assim aconteceu, em meio a uma leitura sobre corpos considerados monstruosos (parte de um projeto que conto outro dia), Júlia apareceu.
No começo, confesso ter me impressionado com sua aparência, afinal não é nem um pouco parecida com os rostos que estamos habituados a ver nas esquinas. Contudo, ao debruçar em sua história de vida, notei que aquela mulher era como tantas outras. Tinha sonhos, emoções, temores e privada de todas as possibilidades de uma vida normal por ser conhecida apenas como “a mulher mais feia do mundo”.
Júlia Pastrana

Júlia nasceu em 1834, no México e sofria de uma doença rara chamada Hipertricose que causa o crescimento excessivo de pelos no corpo. Possuía o rosto desproporcional tornando-a conhecida como “A Mulher Macaco”. Com 20 anos viajou pelos Estados Unidos levando o título de “Maravilha Híbrida”, tal excursão resultou em uma trajetória pela Europa onde conheceu seu agente, Theodore Lent que a comprou daquela que dizia ser sua mãe.
Vendo o potencial financeiro de sua nova “estrela”, Lent a ensinou dançar e tocar para se apresentar ao público. Sua aparência resultou em um sucesso estrondoso, ganhando muito dinheiro com sua voz mezzo-soprano enquanto dançava usando roupas que ela mesmo costurava.
Com o passar do tempo, casou-se com seu agente do qual engravidou. Infelizmente, aos 26 anos, devido a complicações no parto faleceu junto de seu filho que nasceu com a mesma doença.
Uma vida trágica
Por trás daquele terrível título habitava uma mulher de comportamento meigo, curiosa, inteligente, que falava várias línguas e adorava livros. Sentia vergonha da exposição que sofria e nutria um profundo desejo de ser mãe. Seu casamento com Theodore, acredito, deve ter sido sua única opção e possibilidade de ter uma família.
Porém, aquele que deveria ser uma companhia de vida, mostrou ser seu algoz, principalmente após sua morte. Sabendo do potencial financeiro do negócio que construiu em torno da imagem de sua esposa, resolveu embalsamar seu corpo e do filho para continuar exibindo-os numa cabine de vidro. Entretanto, Lent enlouqueceu e foi internado em um sanatório, onde morreu em plena miséria em 1880.
Enquanto isso, o corpo de Júlia continuou sendo exposto em museus de curiosidades. Estiveram na Noruega, desde 1976, no Instituto Forense de Oslo. Até que, em 2005, a artista mexicana Laura Anderson Barbata iniciou uma batalha judicial solicitando que Júlia e seu filho retornassem para o México para serem enterrados com dignidade. Após muita luta, conseguiram vencer o processo, finalmente o enterro ocorreu em fevereiro de 2013.
Como homenagem, realizaram o vídeo abaixo:
Dignidade com as diferenças
É doloroso imaginar as emoções de Júlia, vivendo presa em uma sociedade e em uma relação onde era vista apenas como um animal exótico. Um produto que gerava dinheiro e atração para todos. Sua humanidade foi completamente apagada e ignorada durante anos mesmo após sua morte.
Uma mulher que mesmo diante de tanta exposição buscou aprender com os livros e preservava sua humanidade por meio da arte. Uma mulher que ansiava ser mãe e não pode sequer proteger o próprio filho deste verdadeiro show de horrores que seu corpo foi submetido.
Essa história me fez refletir sobre a dignidade das pessoas que estão fora, completamente fora dos padrões normativos sociais. Não me refiro a mim, ou talvez a você que me lê, mas a estas pessoas super expostas por suas diferenças.
Quantas vezes não compartilham conosco (ou já compartilhamos em algum momento) imagens de pessoas gordas, com deficiências estranhas ou mendigos com a desculpa de que “é apenas uma piada”? Certamente, muitas pessoas que visitaram estes museus jamais imaginaram que aqueles ali eram tão humanos quanto eles. Que ali haviam mulheres, homens e crianças com tanto a mostrar, porém impedidos pela super exposição que vivem.
Fiquei aliviada que toda essa triste história teve um final digno, pelo menos. Seu corpo agora não vagará mais em museus e sua imagem assume, finalmente, a força e valor que ela tem. Vamos nos esforçar para lembrar dela como a mulher e artista mais forte do mundo por ter enfrentado toda essa calamidade sem perder, de certa forma, sua essência.
Referências de conteúdo:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Julia_Pastrana
http://eternabuscadr.blogspot.com.br/2012/02/teratologia-serao-eles-os-monstros.html?m=1
http://www.lauraandersonbarbata.com/
Imagem via Google
Sabe que sou sua fã!? Não tem como escrever uma história desta sem se emocionar se a pessoa tiver ao menos uma sobra de alma. O engraçado é que muitas pessoas não precisam nem chegar a ter o rosto coberto de pêlos para ser vistos como berração.
Triste dizer isso, mas esta história refletirá sentimentos de muitos.
A diferença é que ela sobreviveu dignamente dentro da própria dor. Morreu como a dama que era.
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Sim, foi o que mais me tocou na história dela. Imaginar que viveu dentro de sua dor sem perder a dignidade. Obrigada pelo comentário, querida. Beijo grande.
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Sim, um final digno após uma vida trágica! Quanta ambição e maldade havia nesse agente que tornou-se marido de Júlia! Usá-la como atração, e depois usar o corpo da esposa e do filho para continuar ganhando dinheiro!! Ele não enlouqueceu, ele já era louco e perverso
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Exatamente, Bia. Recebeu de volta toda a maldade que cometeu, me encantou a sensibilidade do vídeo em homenagem a Júlia. Caso interesse, há um programa com Laura no youtube onde ela relata suas motivações em lutar para trazer o corpo de volta ao México. Recomendo. Obrigada pelo comentário! Seja bem vinda. 🙂
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