O que a Berenice não disse

Mês passado fui convidada a participar de um bate papo em uma agência de publicidade aqui em Belo Horizonte. A proposta era falar sobre a campanha da Vogue com a Cléo Pires e discutir a importância da representatividade nas propagandas. Expus a complexidade no processo de identidade das mulheres com deficiência em uma sociedade padronizada como a nossa e o quanto isso prejudica nossa autoestima. Tema que já venho discutindo bastante aqui no blog, por sinal.

A equipe criativa foi bem receptiva e saí de lá com uma ponta de esperança no mundo. Até ontem.

O que a Berenice disse?

A marca de produtos “Quem Disse Berenice?” é conhecida pela variedade de itens para maquiagem e pelas suas campanhas pautadas em motes feministas de empoderamento. Por esse motivo lançaram recentemente um vídeo defendendo a liberdade da mulher em fazer suas escolhas.

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Descrição: Imagem da cena inicial do filme com mulheres de diferentes idades, formas físicas e cor de pele

Em sua página no facebook colocaram a seguinte chamada:

A gente acredita que todas as pessoas devem ser livres. livres pra encontrar a sua verdade e a sua beleza.
e a gente também acredita que a liberdade só existe quando é compartilhada e respeitada por todos.
ser livre é saber que nem a verdade de um, nem a de outro, são absolutas e que elas podem – sim – ser respeitadas e conviverem num mundo que precisa de diversidade.
quem disse que você não pode escolher o que é melhor pra você?

O que mais me chamou atenção, como sempre, foi ver uma empresa que se posiciona a favor da diversidade feminina, esquecer-se das mulheres com deficiência.  Certamente houve reação destas mulheres que se sentiram incomodadas e se movimentaram na página da marca. Uma delas foi Carolini Constantine, idealizadora do blog “Cantinho dos Cadeirantes” que marcou suas amigas na postagem.

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A resposta foi padrão, como era de se esperar, afinal sociais medias estão prontos para lidar com este tipo de situação. Por esse motivo, Fernanda Vicari, integrante do grupo “Inclusivass” resolveu contestar firmemente as respostas enviadas via inbox.

Para sua surpresa (e a nossa também) a empresa mencionou uma pesquisa com mulheres com todos os tipos de deficiência afim de captar informações para tornar as lojas mais acessíveis e melhorar a comunicação da marca com este público. Contudo, a pergunta que fica pendente é porque isso não foi realizado antes, já a empresa nasceu deste princípio de “ser para todas”?

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Print da conversa de Fernanda Vicari com a loja “quem disse, berenice”

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O que a Berenice não disse?

Assim como todas as empresas de beleza deste país, a “quem disse” não fugiu a regra capacitista de marketing. Possivelmente esta reunião que fizeram foi sugerida por alguém do planejamento após acompanhar o sucesso das Paralimpíadas e ver que este era um público em potencial.

Devemos abandonar a ingenuidade e lembrar que o mercado funciona de acordo com o movimento da sociedade. Todos os dias institutos de pesquisas realizam entrevistas/dinâmicas em grupos para descobrir como nós pensamos, desejamos e investimos nosso dinheiro.

Nos anos 80-90, por exemplo, não tínhamos tantos produtos de beleza voltado para o público negro. Lembro de ver um movimento chamado “Não me vejo, não compro” (ou algo parecido) onde as pessoas reclamavam a ausência de modelos que pudessem se identificar. Hoje vemos uma variedade de marcas e produtos exclusivos para cabelos crespos e cacheados, maquiagens com variações de tons de pele e por aí vai.

Identificação além de ser um conceito da psicologia é também uma estratégia de comunicação para atrair atenção do seu público alvo.

Portanto, a “quem disse, berenice”, Avon, Natura, Jequiti e tantas outras empresas de cosméticos não se tornaram conscientes de uma hora para outra, mas viram que estavam perdendo uma boa fatia do mercado ansioso para consumir.

Agora me ouça, Berenice

O tema do vídeo não é ruim, sua execução também não, afinal haviam nele outros tipos de representatividades bem representadas pelas modelos. O ponto em questão é que faltou um segmento que SEMPRE é esquecido neste tipo de proposta: o nosso. 

Somos mulheres empoderadas, Berenice. Fazemos maquiagem, apesar da nossa dificuldade motora. Indicamos seus produtos e de suas amigas concorrentes em grupos de whatsapp, sabia? Algumas de nós até realizam tutoriais em canais no Youtube.

Então ficou feio, aliás pegou bem mal e continua pegando esse tipo de postura de vocês aí no mercado. Não nos levem a mal, talvez tenhamos pesado na mão contigo, porém estamos retribuindo o tapa que vocês nos deram.

Não queremos “sementinhas plantadas”, afinal isso já vem sendo feito há muito tempo. Queremos é começar a colheita o quanto antes. Afinal, pode ter mulher com deficiência ocupando os espaços da mídia? Pode. Claro que pode. Aliás, DEVE!

 

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