2015 foi um ano MUITO CABULOSO, mas encerrou me trazendo cada presente bom que me sinto ingrata de reclamar dele. Ieska certamente foi um desses. Aliás, podemos dizer que as deusas do feminismo cruzaram nossos caminhos, pois ela me veio após a divulgação maciça do meu texto “Feminismo sobre rodas”. Após esse encontro descobri seu blog Medusas e desde então viramos “migas de face”. Prestem bastante atenção no que ela tem a dizer, hein?
Eu sou a Ieska, tenho 25 anos e sou portadora de atrofia muscular espinal, além de ser ariana com lua em leão. Não sei qual das duas deficiências é a mais severa… rsrsSou moça das letras, apesar do diploma em exatas. Trabalho como redatora e sou feliz por poder exercer a profissão dos meus sonhos (também sonho ser fotógrafa e trabalhar com os médicos sem fronteiras na África, mas essa profissão já deixei agendada pra próxima vida <3).
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” é uma das frases da Simone de Beauvoir em sua defesa de que as diferenças entre os gêneros são resultado de significados culturais. Para você, hoje, o que é “ser mulher”?
Hoje ser mulher é me convencer, a cada dia, de que eu posso fazer o que eu quiser e tentar quebrar a visão de senso comum de que sou deficiente física antes de ser mulher; é convencer ao mundo e a mim mesma sobre isso. Também é arregaçar as mangas e lutar pelos direitos das outras mulheres, me permitir discordar de alguns pontos e, ainda assim, defender com unhas e dentes o direito de todas se expressarem. É me chocar com os números sobre violência contra a mulher e pensar que poderia ter sido comigo, com minha mãe, minha irmã, minhas amigas. É desejar, acima de tudo, que as mulheres das gerações futuras sintam cada vez menos esse tipo de coisa na pele.
Como você acredita que o feminismo pode contribuir para mudança da imagem da mulher nos dias atuais?
Nós estamos nos mostrando mais fortes e destemidas. Uma cara feia não é mais respondida com uma cabeça baixa e um pedido de desculpas; agora a gente faz cara feia também e pergunta qual o problema. Tendo mais consciência da nossa força e tendo tanto respaldo das nossas irmãs (eu, pelo menos, tenho muito!), a gente se percebe mais capaz de defender os pontos de vista com os quais concordamos. Em grupo todo mundo é mais forte, e é nesse sentido que eu acho que o feminismo é tão importante para nossa imagem hoje em dia.
Como você conheceu o feminismo e o que ele mudou em sua vida?
Algumas amigas começaram a compartilhar conteúdo feminista nas redes sociais. A princípio, eu fui bastante resistente, por pura ignorância mesmo. Até que, no dia da mulher do ano passado, eu resolvi que era hora de aprender mais e julgar menos sem conhecer. Comecei a me informar e a me abrir mais para esse conhecimento novo, até que eu vi um relato (acho que foi na página “vamos juntas?”) sobre uma moça que foi abusada no metrô de São Paulo. O relato era de uma experiência tão repulsiva que eu me vi incapaz de simplesmente continuar ignorando a causa. Desde então, passei a ter contato com todo tipo de mulher e tenho tentado me informar sobre o maior número possível de causas defendidas pelo feminismo; aprendi que sou mulher, não só deficiente física, e que amo ser mulher; conheci outras manas deficientes físicas e é absurdo o bem que isso tem me feito. Se há pouco tempo eu me recusava a usar blusas justas ou sem manga, não assumia meu cabelo cacheado e me recusava a usar maquiagem por ser “coisa de patricinha”, hoje eu visto o que eu quiser, uso meu cabelo do jeito que eu quiser e passo na minha cara o que eu quiser. Posso usar uma camisa de futebol na segunda, uma blusinha de flores na terça e uma camiseta de banda na quarta, porque eu quero e sei que posso fazer isso sem deixar minha identidade de lado – descobri que TODAS essas coisas fazem parte da minha identidade. É libertador, pra dizer o mínimo.
A deficiência influencia o modo como você se vê como mulher? Você acredita que o feminismo mudou seu modo de lidar com ela?
Sim. Influencia muito. Não nego que sim. Mas é uma coisa que eu tenho me policiado ao máximo e me visto cada vez mais forte e capaz de lutar contra. Ninguém nos olha como mulheres antes de olharem nossas deficiências, nós crescemos em um cenário assim, é até bastante inevitável que a gente absorva essa visão. O feminismo chegou a mim como uma ferramenta de aprendizado, me mostrou que sou mulher e que posso e devo lutar pelas que são iguais ou diferentes a mim. Eu nunca me restringi muito pela minha deficiência, sempre procurei viajar, fazer todas as coisas que me fossem possíveis e me enxergar como alguém normal, mas talvez o feminismo tenha me ajudado a me ver mais como mulher, além de encontrar pessoas que passam pelo mesmo que eu, que me entendem e me acolhem. Se sentir entendida e acolhida pelas minhas iguais é muito bom.
Na sua opinião: o que falta no feminismo para melhorar a representação das mulheres com deficiência?
Falta a gente falar! Mas isso a gente tá fazendo, você no seu blog, eu e a Priscylla no Medusas. Eu tenho percebido que existe espaço e que cabe a nós utilizá-lo e expandi-lo cada vez mais. Seus pontos de vista expostos no Disbuga são lidos e compartilhados, os meus e os da Priscylla também. Se a gente se sentir apagada do feminismo, a gente vai e fala mais alto, acena, fala “alou! Tô aqui também, mana!”. A mulher deficiente física se sente muito solitária e isolada, e a gente precisa falar cada vez mais para que as outras mulheres deficientes físicas se sintam assim cada vez menos.
Um recado de empoderamento:
Mana, sabe o clichê do “lugar de mulher é onde ela quiser”? Então. Ele é muito verdade. Muito! Você pode ser o que quiser, usar o que quiser, beijar quem quiser, transar com quem quiser. E se não quiser, tudo bem também. Seja você, siga o que você acha que é o caminho certo e se permita conhecer alternativas se não souber muito o que fazer. Ser fiel ao que você é, se respeitar e se cuidar, é a melhor coisa que você pode fazer por si mesma e eu prometo que a sensação é maravilhosa. Pratique lealdade com você mesma. Você pode conquistar o mundo. Acredite nisso, lute por isso.
Em que pese ter o elevado privilégio de ser o pai dessa criatura Fantástica, Ieska aproxima quem se permite de um Mundo igualmente maravilhoso: o Mundo Livre, o Mundo Bem Melhor. Permitam-me a invasão masculina, mas é para poder me expressar e valorizar a Mulher, não só o gênero, mas a Instituição. Grato.
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